Os teus olhos estavam pequenos. Estavas com olhos de Japonesa e gosto do Kimono que hoje soubeste roubar-me. Escrevo-te todos os dias. Mesmo quando não o sabes ou não lês. Escrevo-te em mim. Escrevo-te para mim. Às vezes ébrio. Às vezes sóbrio. Tudo em ti. Tudo em mim por ti. Intoxicado de visões, de lembrar as horas e os minutos. Porque lembro. Porque lembro-te. Por vezes não te sei de outra forma se não te lembrar. E repito-me: Não te lembres muito mais! Repito-me até o lembrar ser absurdo. Repito-me até o conceito perder a velocidade, entrelaçar-se com a língua, ficar pastoso, demorado. Repito-me até as palavras se transformarem em algo que não é palavra. Sentimento. Transformo-te em sentimentos e os sentimentos em palavras e as palavras voltam a sentimentos. As voltas que só tu me fazes dar. Voltas maiores que o mundo. Maiores que os aviões ou os barcos. Maiores que esta cama. Esta cama que eu quero adormecer e acordar daqui a dois dias. Não sentir o tempo a passar. Esse é um dos melhores gumes, sentir o tempo a passar. Querer algo, de tal forma, para certo dia, que não queremos sentir a preguiça do tempo. Essa dor cisuda e aguda. Dor que nem o relógio ajuda, muito pelo contrário, o relógio é o maior traidor que conheço. Ausentar-me desse sentir. E sentir nada. Nada. Tudo não é melhor que nada. Algo não é melhor que nada. Nada é nada. É branco. É tela. É anestesia. Querer o nada para não sentir-me a morrer e depois renascer. Acordar directamente na tua pele. Abrir os olhos. O meu cabelo todo no ar. A minha cara encostada nos teus ombros. Ter-te. Ter-te pronta para desenhar-te. Por vezes pergunto-me: Saberás o que é desenhar-te?, Saberás o que é a vontade de desenhar-te? Ter as tuas costas todas para mim e usar os meus dedos e saliva. Desenhar-te. Sim, é uma vontade verde, egoista. Não querer saber de Ti. Querer apenas desenhar-te na tua própria pele. Dar-te a sentir quem me és. Podes até achar que não o és. Mas és. Eu sei que és. Não sejas teimosa, sabes que eu tenho quase sempre razão. Podes até achar que és uma árvore ou um navio afundado. Não quero saber. Para mim és. Para mim és-me. E é seres-me que me importa ou interessa. Se fores algo, és mar. Porquê? Porque afogo-me cada vez mais em ti. Os meus pulmões cheios de ti. A minha boca em fios de ti. Tu, em todas as partes de mim. Tudo lentamente. Tu, como mar, a absorveres-me até começar a pairar nas tuas correntes. Sem força. Sem resistência. Sem nada. Sem relógio. Tomares-me em tuas profundidades. Tomares-me em tuas algas. Tomares-me em teu sal e deixares-me em rastos esbranquiçados. Quem me és é superior a quem és. Vejo uma parte de ti que desconheces. Que te é imigrante. Vejo-te de Ver. Ver para além. Além da carne. Dos cabelos. Dos olhos. Dos braços. Das pernas. Vejo-te. Guardas todas as cores. Guardas todos os sons. Guardas todas as letras. Desenhar-te é guardar em ti todas as minhas constelações. Não entendes? Não faz mal. Não precisas de entender. Nem eu entendo. Mas também não preciso. Pode ser uma curva, uma recta, uma passagem de nível, a chegada é sempre ao mesmo local. A minha cama. Tu na minha cama. As tuas costas prontas para desenhar-te. Tudo acaba como começa. Em nós.