Fecho os olhos, são segundos, segundos que parecem
horas. Mesmo de olhos fechados, segundos, horas. A garrafa de Black Label
abre-se no entretanto, quase sozinha, quase como se tivesse vida própria, quase
como se estivesse a respirar por entre o vidro, por entre o oco. Os cigarros –
confesso-me voltado para o Marlboro, novamente – admiram o líquido dourado que
repousa no copo: assistir a um Tango, em que ambos são corpos lânguidos,
vestidos a rigor.
A minha vontade de dormir é imensa, os olhos quase
fechados, a doerem, a cabeça pesada, o corpo a desfazer-se na cadeira, as mãos
a tremerem: assim aparece a insónia, como uma Menina sedutora na nossa
campainha e toca, toca e volta a tocar e começa a bater na porta, leve, com os
dedos, abrindo a mão, com a mão aberta, fechando-a, bate na porta de punhos
cerrados, nada a impede, a birra de Menina Mimada que deseja a porta aberta. Acabamos
por abrir a porta e reparamos que a Menina Mimada usa saia, usa meias de liga,
tem um sorriso do tamanho do mundo e entra e leva-nos para a parede, vincada
dos seus desejos, ajoelhando-se em suspiros: És meu! Pertences-me! Estás em pé
ao meu desejo, ao meu dispor. E voltas a fechar os olhos, não com aquela imagem
no pensamento, não com aquela Menina Mimada de saia e meias de liga, ajoelhada;
não com aquela Menina Mimada de saia e meias de liga, ajoelhada e as tuas
calças pelos joelhos; com outras imagens, com outras pessoas, com outra pessoa,
grunhes entre os lábios outro nome, grunhes entre os lábios outra imagem,
grunhes entre os lábios outra mulher, grunhes o copo já vazio, grunhes a
memória que queres arrancar e queimar enquanto acendes outro cigarro. E, para
tua surpresa, ela diz-te: Quero que me chames de tua, Quero que me chames de
tua Puta! Na exactidão da palavra, na exactidão do tempo, abraças os seus
cabelos, és dela, sou dela, somos dela.
Esperas que o telemóvel toque: doença, esta!
Esperar que um telemóvel toque. Esperas, olhas, voltas a esperar, esperas que
entre algo, que uma luz pálida se acenda como uma vela, como uma esperança,
como um farol. Esperas com o telemóvel em cima de um livro, um pisa-papel. Nada. Silêncio. Silêncio como as ruínas que nascem entre os teus
pés, as ruínas que o teu chão tijolo constrói, as ruínas em silêncio, em
silêncio de todo o tipo de silêncios, em silêncio de nada, um nada.
Perguntas-te: como guardo eu um nada? Como guardo eu um nada em forma de
silêncio? Como aprendo eu a guardar um silêncio em forma de nada?
Acabas por sentir que estás na tua cruz e tentas
convencer-te: não é nada, está tudo bem, está sempre tudo bem. Desculpa, estás
errado: não está tudo bem enquanto está a abraçar os cabelos daquela Menina
Mimada que usa saia e meias de liga, por entre as tuas virilhas. Não, não está
tudo bem. Está tudo em silêncio quando não deveria, estás a tentar aprender a
guardar um silêncio em forma de nada e um nada em forma de silêncio enquanto
grunhes encostado a uma parede, a uma parede branca, com as tuas calças pelos
joelhos, com a garrafa de Black Label em cima da mesa, com o maço de Marlboro a
galar o líquido dourado. Não, lamento mas não, não está tudo bem. Não está tudo
bem quando as tuas mãos são elevadas a uma cruz e e resumes o silêncio
mordaz em cima de um livro e pensas em outra pessoa, em outra mulher, em outro
nome e não gritas a exactidão da palavra, a exactidão do tempo, enquanto tudo o
que esperas são letras em fundos azuis ou cinzentos com um: errei. perdoa-me.
admite-me. sou-te. desculpa-me.
És débil: não por quereres, mas por acreditares.