11 de setembro de 2014

Less.


Não. Não me acordes. Nem tentes. Deixa-me estar assim. Deixa-me ficar assim. Exactamente assim. Não me beijes. Não me toques. Não me movas. Não te movas. Não. Nem um centímetro para a direita ou para a esquerda. Não me balances. Nem para a frente ou para trás. Assim. Só assim. Contigo em mim. Contigo dentro de mim. Ao mais ligeiro beijo ou toque ou movimento irei desfazer-me. Irei desaparecer. Transformo-me em uma estátua moldada em pólen. Tu sabes que sim. Eu sei que tu sabes que sim. Uma estátua moldada em pólen e proibida. Proibida ao vento. Proibida na língua e no respirar de qualquer animal. Poibida até a ti. Mas tu não és qualquer animal. Não és um animal sequer. És um deus. Um deus menor. Um deus pequeno e silencioso. Daqueles que esquecemos o nome. Daqueles que esquecemos a existência. Daqueles que só servem para a fome. Um deus menor. Muito menor. Silencioso. Comprometido às minhas vontades. Um deus que não sabe o que é ser rezado. Que só sabe rezar. E deixo de ser estátua moldada em pólen e proibida para ser medusa. Medusa em cima de um deus muito menor e silencioso do qual não sabem o nome. Do qual esquecem querer saber o nome. O qual me serve, apenas para servir, apenas para caber em mim. Do qual eu quero na fome. Da fome. Medusa contigo em mim e dentro de mim. Não ves? Olha-me! Não tenhas medo meu pequeno deus. Olha-me. Olha-me como se nunca tivesses olhado. Olha-me muito. Olha-me sempre. Olha-me e sente as tuas mãos a transformarem-se em âncoras de pedra cravadas nos lençóis. Olha-me! Olha-me porque não és nenhum herói, não tens espada ou escudo ou armadura. Olha-me porque és um deus muito menor, muito pequeno, do tamanho de uma agulha. O teu nome foi esquecido. É esquecido. Foi esquecido e é esquecido porque é meu. Roubei-o para mim. Roubar o teu nome é roubar quem és. O teu nome é tudo, e sem ele não sabes o que é rezarem-te. Sou má. Sou egoista. Se o fiz é porque és tu que me transformas em estátua moldada em pólen. Porque és tu que me transformas em medusa. Porque és tu que me fazes transformar-te em deus menor e silencioso. Para sentires, contigo dentro de mim, contigo a caberes-me, como é que me liquidifico. Sentes? Sentes-me líquida. Sentes-me a deixar de ser tudo isto para ser orvalho? Claro que sentes. Claro que me sentes. Como poderias não o sentir. Como poderias não sentir-me. As tuas mãos estão como âncoras de pedra cravadas nos lençóis e o resto de ti são docas onde atraco, onde a minha maré bate, onde o meu sal é marca. Já te disse que não. Não me acordes. Nem tentes. Deixa-me estar assim. Mesmo assim. Deixa-me morrer. Deixa-me morrer uma e duas e três vezes. Deixa-me morrer as vezes que eu quiser. Deixa-me morrer com a pele em pólen. Com a pele mais clara que as estrelas. Deixa-me morrer como estrela. Depois irei renascer. Renascer e lentamente despertar para voltar a adormecer. Renascer as vezes que eu quiser. Tal como morrer. Mas antes de morrer serei estátua moldada em pólen para depois ser medusa. Para olhares-me como quem nunca olhou, como quem nunca conheceu, como quem nunca viu e as tuas mãos como âncoras em pedra cravadas nos lençóis. E eu a liquidificar-me novamente. Novamente em orvalho. As minhas marés, as minhas ondas, o meu sal, tudo a caber em ti da mesma forma que cabes em mim. Eu. Só eu. Tu não. Tu nunca. Eu como estrela no limite do seu brilho a explodir. A explodir e a queimar as folhas de todos os livros que tanto insistes em me ler, de todas as palavras que tanto insistes em me dizer. Explodir e a queimar toda essa tua insistência em esconderes o medo que a minha beleza provoca. Eu sei que tens medo. Eu conheço esse teu medo. Eu conheço o paladar desse teu medo. Agora estás sem folhas, sem letras, sem palavras, sem voz. Agora conheces como começo a explodir e a queimar e o medo arromba as tuas portas. E o medo entra e enche-te. E tremes. Tremes no assombro. Tremes no não saberes o que fazer com a minha beleza. Porque assusta-te. Porque queres assustar o medo. Porque por mais que tentes guardar a minha beleza entre as as folhas e as letras e as palavras e a voz, nunca o irás conseguir. Nunca serás dono da minha beleza. Nunca. Nunca porque eu não sou apenas uma beleza. Não sou apenas uma mulher. Sou toda a beleza. Sou todas as mulheres. Sou aquela que guarda em pólen e em pedra todas as mulheres que um dia desejaste ou quiseste. Sou todas as mulheres porque és só e apenas meu. Sou todas as mulheres porque a minha beleza não é de guardar. Porque a minha beleza não é de usar. Porque quando cabes em mim e deslizo os meus lábios para beber todo o teu medo adormeces. Sou toda a beleza e todas as mulheres para nunca mais saberes o que é desejar ou precisar ou querer outra beleza ou outra mulher. Não tremas meu pequeno deus. Não tenhas medo meu deus menor. Não te assustes meu deus do tamanho de uma agulha. Foste feito para não saberes o que é rezarem-te. Foste feito para eu constuir e ordenar o teu caos. Sou toda a beleza. A beleza queima o caos. Sou todas as mulheres. As mulheres gostam de ordem. Foste feito para rezares-me e saberes que não me tens porque não sou de ter. Foste feito para saberes que nunca me irás possuir. Porque és meu. Porque és só e apenas meu. E agora? Agora não me acordes. Já o disse várias vezes. Agora não me beijes, não me toques, não me movas, não te movas. Agora nem tentes sequer. Agora deixa-me estar assim. Exactamente assim. Agora sente-me adormecida. Sente-me a morrer. Sente-me a querer morrer vezes sem conta. Sente-me estátua moldada em pólen e medusa. Sente-me a brilhar como uma estrela pronta a morrer e a renascer. Agora cabes todo em mim. Cabes todo dentro de mim. O teu lugar é assim, pertenceres-me. Agora, não só agora, mas especialmente agora, sente-me a explodir e a queimar e a ser maré. Sente-me porque sou líquida quando te tenho como deus menor, deus muito menor, deus pequeno. O meu pequeno deus. O meu pequeno amor.  


11 comentários:

  1. Texto de Pedro Paixão?

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  2. Anónimo(a) n.º1,

    Por vezes, "less is more". :)

    Grato,

    J.

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  3. Anónimo(a) n.º2,

    Não, este texto é meu. Se fosse do Pedro, teria o identificado como tal. Todos os textos que estão neste Blog que não são meus encontram-se devidamente identificados.

    Mas, agradeço o "elogio". :)

    Grato,

    J.

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  4. Tinha saudades de te ler assim. Cru.
    Identifico-me. Vá-se lá saber porquê, mas identifico.
    Esse deus pequeno, menor. Esse amor pequeno.
    Haja ainda quem se reze. Amén!

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  5. Anónimo(a) n.º3,

    Obrigado. :)

    Rezar é sempre um acto de fé. Maior ou menor, tudo se transforma.

    Grato,

    J.

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  6. Rezar nem sempre é um acto de fé... :) assim como nem sempre "less is more"

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  7. Anónimo(a) n.º3,

    Dava para correr muita "tinta". :)

    Correcto. Por isso o "talvez".

    Grato,

    J.

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  8. Sim... daria, sim. Demasiada.
    Não houve um "talvez", houve um "sempre". Daí ter respondido que rezar nem sempre é um acto de fé.

    Grata,
    R.

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  9. R.,

    Concordamos em discordar.

    Grato,

    J.

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